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Sexta-feira, 11 de julho de 2003.
Já é célebre no mundo inteiro a fama que o Brasil tem em relação a seus impostos. Trata-se da famosa Belíndia: Impostos no nível elevado da Bélgica e serviços públicos em níveis indianos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso declarou em seu discurso de posse: O Brasil não é um país pobre, é um país injusto !
Pobre o Brasil não é mesmo, embora haja pobreza no Brasil. Um país que consegue arrecadar mais de U$200 bilhões em impostos não pode ser considerado pobre. É mais que o PIB da Argentina para que se tenha uma idéia. Com esse volume de recursos o Estado teria que oferecer serviços minimamente decentes a seus cidadãos, suas instituições e suas empresas. Não é o que acontece.
O orçamento educacional é fortemente desviado para a manutenção das caras estruturas das universidades públicas federais esparramadas por todos os Estados, ao invés de priorizar o ensino básico. Nessas universidades, corporações fortíssimas que representam professores e funcionários, se apossam dos recursos, que são transformados em benefícios e privilégios trabalhistas, sendo, portanto, desviados da prioridade que deveria ser o ensino e a pesquisa. Em muitas delas os valores pagos como aposentadorias para ex-professores e ex-funcionários representam mais da metade do orçamento total que, se somados aos salários da ativa atingem mais de 70% do total. Sobra muito pouco para a manutenção dos ativos, ensino de fato e desenvolvimento de pesquisas. O ensino fundamental é esquecido.
O orçamento da saúde é aplicado em um caro sistema de reembolso de atendimento aos hospitais conveniados ao chamado Sistema Único de Saúde o SUS. Nesse sistema irracional, os procedimentos de atendimento básico de saúde são reembolsados com valores irrisórios, claramente deficitários, que acabam sendo oferecidos em nível precário e induzem os prestadores conveniados à fraude. Na outra ponta, procedimentos caros e especializados, como hemodiálise, quimioterapia, implantes de órteses e próteses, AIDS e outros são remunerados com valores elevados e consomem grande parte do orçamento, embora atendam uma parcela pequena da população. O grosso do atendimento se dá, assim, de forma bastante caótica, atingindo negativamente, principalmente a população mais pobre.
A classe média assustada com o baixo nível dos serviços de educação e saúde básicas, foge para as escolas privadas e para os planos de saúde, também privados, que lhes custam caro, apesar dos pesados e crescentes impostos que é obrigada a pagar.
Estradas esburacadas que colocam em risco a vida de seus usuários e retardam o fluxo de mercadorias nelas transportadas. Alega-se falta de recursos para recuperá-las e fala-se em novas taxas para bancar as reformas necessárias. Serviços privatizados de telefonia, energia elétrica que tiveram suas tarifas aumentadas em multiplicativos (duplos, triplos) dos índices inflacionários, sem que a qualidade tenha aumentado na mesma proporção.
As empresas são sufocadas por uma caótica e irracional carga de tributos e taxas federais, estaduais e municipais, além de se submeterem uma burocracia impiedosa que lhes atravanca o processo de desenvolvimento e crescimento e, que, nos caso das micro e pequenas empresas, impõe uma escolha difícil: a informalidade ou a morte.
A carga tributária total pulou de menos de 20% do PIB em 1985 para quase 40% do PIB atualmente. E os serviços públicos pioraram. É certo que boa parte do que o poder público arrecada é consumido com o pagamento dos pesados encargos de juros de sua dívida total (externa e interna) que, depois de ter caído para um terço do PIB no início do governo do ex-presidente Collor (que aplicou um confisco nas poupanças de empresas e pessoas) voltou a crescer para cerca de dois terços do PIB. Os tributos aumentam, a dívida pública também, mas o dinheiro não aparece em obras ou melhorias nos serviços oferecidos.
O atual governo acena com a proposta de uma reforma tributária para resolver essa difícil situação, mas, quando analisada em detalhe, a proposta esconde armadilhas que sinalizam para aumento ainda maior da carga total em troca da simplificação no recolhimento de alguns tributos. Nesse meio tempo a carga continuam aumentando via novas taxas, como as que a Prefeitura de São Paulo, cidade governada pelo mesmo partido do presidente introduziu para o recolhimento do lixo. No mesmo sentido o Senado Federal acabou de aprovar lei que estende o recolhimento do ISS (Imposto municipal) para dezenas de novas atividades antes não atingidas pelo tributo. Entre essas atividades inclui-se até a coleta de sangue, ato altruísta e não remunerado que os cidadãos, voluntariamente, ofertam a pacientes necessitados. Devem agora saber que parte do que doam (seu próprio sangue) vai para os cofres públicos. A fúria arrecadadora não tem limites: Recentemente a Polícia Federa, a pretexto de aumentar a eficácia do combate ao narcotráfico introduziu uma nova taxa para credenciar empresas que comercializam uma série de produtos químicos e inclui entre eles o cimento. Agora, o comerciante de material de construção que queira comprar e revender cimento tem que se cadastrar naquela instituição e recolher a nova taxa. O fato é que a quase totalidade dos compradores de pequenas quantidades de cimento (as grandes construtoras compram direto dos fabricantes) são pessoas pobres que compram o produto para pequenas reformas e ampliações de suas casas. São esses que vão acabar pagando o custo da nova taxa.
A reforma desejada pelo governo do presidente Lula é uma que não reduzisse a atual carga tributária, garantisse o atual nível de receitas da União, dos Estados e dos municípios e, ao mesmo tempo, aliviasse o custo dos impostos para empresas e cidadãos. Como tal desejo é logicamente impossível de ser realizado, vamos assistir ao mesmo filme de sempre, onde, ao final, a carga aumenta um pouco mais ao invés de diminuir e todos continuam insatisfeitos. Uma boa solução seria começar a reduzir as despesas públicas o que abriria espaço para a redução dos impostos. O governo até tentou essa direção, com uma proposta tímida de reforma do sistema previdenciário. Mas a exemplo de todas as tentativas anteriores de todos os governos anteriores que a tentaram, a proposta foi repudiada pelo congresso nacional e pelo poder judiciário e já se discute uma alternativa, ainda mais tímida, que, em sua essência, mantém todos os privilégios que os aposentados do setor público acumulam injustamente. Registre-se que os aposentados do setor público representam quase a totalidade do gigantesco déficit do sistema previdenciário do país.
Com tamanho conflito de interesses aumentando a passos largos, a sociedade se atemoriza quanto ao futuro e, preocupantemente, assiste-se a uma silenciosa mas crescente insatisfação generalizada entre as pessoas, empresas e instituições. O setor produtivo parou de investir, o desemprego atinge níveis recordes, o crescimento da economia se aproxima da estagnação e, só não está pior, porque o setor exportador e o agronegócio expandem-se impulsionados pelo câmbio favorável. A indústria e o comércio, na verdade, já estão em recessão. As taxas de juros, em níveis estratosféricos, garantem grandes lucros ao setor financeiro, o de pior imagem junto a opinião público, mas mesmo este começa a se preocupar com uma possível quebradeira generalizada que leve ao não recebimento de seus empréstimos e, assim, cortam ainda mais o crédito, agravando a situação.
A classe média que apoiou o presidente na eleição do ano passado começa a rever sua posição, conforme as últimas avaliações. Os setores organizados da luta social cobram do presidente e de seu partido a coerência com os princípios que sempre defenderam ao longo de sua história de militância esquerdista. O desencanto vai se instalando e o governo mostra-se despreparado para se posicionar de forma confiável em meio a tantas e divergentes demandas.
O partido do presidente ganhou a eleição com a velha estratégia da viciada política brasileira: Prometer tudo a todos. Como a credibilidade petista nunca havia sido testada pelo exercício efetivo do poder federal, as promessas foram compradas pela sociedade. Agora o presidente e seu partido terão de escolher a quem vão trair. Os empresários do setor produtivo, classe média, profissionais liberais e os pobres de uma maneira geral, de um lado. O sistema financeiro, e corporações do setor público, de outro.
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