Sexta-feira, 28 de junho de 2002.
Ronaldo recebeu de Gilberto Silva na meia esquerda, dominou e partiu em velocidade num ângulo oblíquo em direção à grande área, passando por um adversário e penetrando na mesma pelo ângulo esquerdo quando já era perseguido por mais três defensores turcos. Nesse momento inverteu o sentido da corrida para a direita sem nunca diminuir a velocidade e ficou com a bola quase embaixo de seu corpo impedindo um arremate correto e certeiro. Quem conhece futebol sabe que o craque precisava de um movimento a mais para limpar a jogada e colocar a bola um pouco mais a frente para, aí sim, finalizar com a categoria de sempre.
Mas Ronaldo não é um jogador comum e aquele não era um momento comum !
Ronaldo está com suas condições físicas deterioradas, não jogava tantas partidas consecutivas há mais de dois anos e sua volta aos gramados depois dos dramas das contusões sucessivas nem se consolidou de todo. No jogo contra a Inglaterra num certo momento no último quarto da primeira etapa do jogo Ronaldo sentiu de novo as dores que colocaram em dúvida a continuidade de sua carreira. São dores musculares que prenunciam algo mais grave, uma distensão por exemplo. Ronaldo foi substituído e nos dois treinos antes do jogo com a Turquia só andou em campo. No primeiro tempo contra os turcos também se limitou a caminhar e foi presa fácil para a marcação adversária. Queriam sua saída no intervalo.
Mas Ronaldo voltou para o segundo tempo e logo aos quatro minutos estava envolvido no dilema acima citado. Não tinha nem pernas nem fôlego para o último toque. Se tentasse essa última providência lógica seria desarmado pelos zagueiros adversários e a história seria outra. E Ronaldo mostrou porque é chamado de “O Fenômeno”. Ele chutou de bico, a única maneira de manter a iniciativa naquelas circunstâncias e fez o gol mais emblemático da Copa do Mundo.
Ao chutar de bico Ronaldo mudou o espaço/tempo da bola e quando esse fenômeno ocorre, o meio ambiente ao redor demora alguns décimos de segundo para se readaptar ao novo espaço/tempo que foi criado, mas aí a bola já está balançando as redes. Os zagueiros e o bom goleiro da Turquia não esperavam por isso, o movimento do Fenômeno criou uma realidade nova e resumiu a história do jogo.
Ronaldo comparou seu gol com um parecido que Romário marcou na Copa de 94, mas basta ver o filme do gol de Romário para constatar que as situações foram muito diferentes. Romário tocou conscientemente na bola de bico, deslocando o goleiro adversário, armou a jogada, era senhor da situação. Ronaldo usou sua genialidade para se safar de uma pressão incontornável, foi um espasmo genial para lhe dar (e ao time) uma sobrevida inesperada. Trocou a dor pelo êxtase, pressionado por ela, a dor.
Às vezes uma saída nada elegante (o bico é um chute desprezado pelos boleiros em geral) torna-se muito chique e eficiente, genial até, como neste caso. Aliás a sabedoria do futebol tem vários pensamentos consagrados sobre o tema:
- Chuta de bico que o jogo é de taça.... (Anônimo interior de S.Paulo)
- Não existe gol feio, feio é não fazer o gol... (Dadá maravilha)
- Só beque chuta de bico, mas se é pelo gol o Pelé também pode... (N. Prancha)
A lição de Ronaldo vale para tudo, vale para a vida pessoal de cada um, vale para empresas, vale para nações. Tem hora que é preciso mudar o espaço tempo, fazer o inesperado, surpreender. Tem hora que tem que chutar de bico.
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