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Quinta-feira, 11 de julho de 2002.
Daqui há seis meses o Brasil já estará com presidente novo e no ano novo de 2003 e, embora o ambiente atual de pré eleição seja pessimista, pode-se dizer com boa dose de certeza que 2003 pode ser bom para o país em vários aspectos.
Ninguém espera para o próximo ano um crescimento rápido da economia, o fim do maléfico problema do desemprego ou o fim das crises sociais e da violência. Mas não há razão também para prever o estouro do país a lá Argentina. E as razões principais são de política internacional, de estabilidade interna e de interesses políticos hegemônicos.
A primeira razão remete à análise do peso específico do país no contexto da economia e da política global. Para que se tenha uma idéia o Brasil pesa seis vezes mais que a Argentina, país que centraliza as preocupações dos mercados neste momento. Se uma Argentina já tira o sono de muitos banqueiros pelo mundo afora, imaginem seis Argentinas. O Brasil lidera, exatamente por seu peso específico tanto político como econômico, as tendências na América Latina e há uma forte tendência antiamericana no cenário hemisférico neste momento. A postura da administração Bush desde o princípio foi de clara reversão da aproximação tentada durante o governo Clinton, que consistia em conquistar a adesão aos princípios de mercado e à união hemisférica. A política atual é de imposição desses princípios num momento em que os capitais externos escasseiam, e os resultados obtidos claramente não correspondem ao esforço executado, mas a deserção do Brasil seria o maior fracasso de uma administração estadonidense em toda a história e, porisso mesmo, será evitada a todo custo por Bush.
Os recentes acordos firmados pelo México com o Brasil foram um claro recado diplomático do mais próximo parceiro econômico dos Estados Unidos na América Latina. A transferência de várias linhas de produção das maquiladoras do México para China em busca de custos de mão de obra mais barata, e o fracasso do acordo de imigração implodido pelo 11 de setembro, mostram que os interesses internos específicos sempre pesarão mais para Bush e equipe do que qualquer acordo bilateral que os Estados Unidos e o México possuam e, sintomaticamente, os mexicanos foram buscar no Brasil a alternativa, o que fortalece muitíssimo o papel brasileiro na liderança hemisférica. O recente acordo para o mercado automotivo entre o Brasil e a Argentina no âmbito do Mercosul, com enormes vantagens para os platinos, mostra que o Brasil, ao contrário dos americanos do norte, faz pesar a velha solidariedade latina nos momentos difíceis. Assim, o embate diplomático mostra, uma vez mais, uma clara vantagem dos pentacampeões de futebol sobre a desastrada (hemisfericamente) administração Bush. Por todas essas razões e até mesmo contrariado, Bush não vetará uma operação de nova rolagem de dívida para o Brasil caso necessário.
Há que se considerar ainda, que o Brasil continua sendo o segundo mais procurado local para o investimento internacional superado apenas pela China (onde já se vislumbram nuvens negras no horizonte de médio prazo). Montou também, a mais competente equipe de administração financeira entre os emergentes (Malan e Fraga são unanimidades mundiais nesse quesito) e soube sair adequadamente de todas as crises de fluxo financeiro que o mundo experimentou nos últimos anos, criando assim um ambiente de enorme boa vontade junto ã comunidade financeira internacional para ajudar numa eventual transição de final de governo, caso necessário, repetimos.
A segunda razão envolve a política interna brasileira, que embora decepcione profundamente seus concidadãos (a rigor os políticos não são populares em nenhum lugar do mundo) mostra sinais de clara evolução. A democracia é um conceito muito arraigado entre os brasileiros, o que de certa forma é até surpreendente considerando-se a história passada de golpes e ditaduras. Há quase vinte anos as eleições transcorrem normalmente e as instituições funcionam cada vez melhor, sendo que um presidente foi cassado por corrupção, o congresso tem cassado ou forçado a saída de alguns de seus mais poderosos e antigos membros que estavam envolvidos em atitudes incorretas ou corrupção, um juiz de alta patente acaba de ir para a cadeia, uma governadora candidata à presidência teve sua candidatura implodida por suspeitas de conduta ilícita de seu fundo de campanha e o líder das pesquisas na campanha presidencial luta para que não respingue em sua popularidade o recente caso de transações suspeitas numa das principais prefeituras administradas por seu partido. A força da democracia brasileira tem inspirado seu presidente a cobrar dos vizinhos avanços semelhantes, e a liderança do país foi decisiva para impedir dois golpes no Paraguai, o golpe contra Chavez na Venezuela e a solução institucional pós Fujimori no Perú. Como tudo isso tem sido possível mesmo com uma crise social imensa e fraco desempenho econômico ?
A resposta é que o Brasil construiu após o fim de sua longa noite de ditadura militar um consenso interno muito forte em torno de certos princípios básicos de sua democracia e tem mostrado muita vitalidade em defendê-los. O jogo político tem sido jogado com as espertezas de sempre e jogadas teatrais que incluem uso (e em alguns casos abuso) de poder econômico como em qualquer lugar, mas todos têm podido participar com liberdade nunca antes vista. Os atuais quatro candidatos favoritos no pleito presidencial têm, sem exceção, origens esquerdistas e a direita histórica ficou sem representantes, o que choca um pouco o stablishment internacional, mas revela, apenas que a política brasileira mudou e mudou para melhor. Fernando Henrique o atual presidente também era marxista e foi quem avançou em direção às reformas pró mercado e os atuais candidatos, inclusive o favorito e temido Luís Inácio Lula da Silva também não são os mesmos de seu passado. Qualquer que seja o eleito as instituições brasileiras continuarão funcionando tão bem como agora e isso é uma certeza como indica alguns pontos pouco abordados pela mídia do programa do PT, o partido de Lula. O PT promete fazer a reforma da previdência (que o atual governo só conseguiu em parte), e o promete indicando alterar o ponto mais polêmico de todos que é o financiamento das aposentadorias do setor público que seria igualado ao setor privado com teto de R$1.600,00 e o restante via complementação e contribuições adicionais. Para que se possa ter uma idéia do impacto de medida como essa basta constatar que o setor de aposentadorias do funcionalismo publico responde por 60% do déficit total do setor público brasileiro, ou seja, sem esse déficit a economia do país é extremamente saudável. Se o PT tem a coragem de incluir esse ponto em seu programa fica claro que mesmo o mais temido pelos mercados mostra um viés de responsabilidade fiscal altamente elogiável. A esquerda brasileira é, hoje, mais responsável que os populistas de direita e é porisso que nenhum deles conseguiu reunir prestígio popular para se aventurar a uma candidatura.
A terceira razão é que ao contrário do que sempre se falou, a elite hegemônica brasileira, não quer o país na mesma situação da Argentina e não têm medido esforços para evitar que a situação evolua naquela direção. A cooptação do PT que hoje transita de forma insuspeitada por tradicionais gabinetes do poder hegemônico do país, ao mesmo tempo que (para desgosto de militantes mais ideológicos) desfigura o partido em sua imagem tradicional, também o torna mais apto e mais confiável ao exercício do poder. Depois de experimentar as agruras de administrar expectativas em Estados importantes onde foi ou é governo como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal e de administrar por duas vezes a cidade mais importante do país, São Paulo, o partido sabe avaliar bem a distância entre o palanque e o exercício do poder. José Serra e Ciro Gomes os outros dois candidatos favoritos também possuem forte experiência como administradores públicos sempre com sucesso reconhecido até pelos adversários e sempre possuíram (o primeiro mais que o segundo) conexões muito fortes junto às elites locais e externas. A elite hegemônica do país sabe que a coesão interna é fundamental para o embate externo que é, a rigor, o único embate verdadeiro nestes tempos globalizados. E esta é, talvez, a maior diferença entre o Brasil e a Argentina de hoje, pois enquanto o país vizinho está dilacerado, dividido internamente e sem consenso mínimo sobre como dividir as perdas pela falência e iniciar a reconstrução, o Brasil emerge com um forte coeficiente de adesão à valores básicos e mostra muita disposição em superar suas dificuldades.
Assim, 2003 será para o Brasil talvez menos brilhante do que os próprios brasileiros gostariam, mas muito menos ruim do que os mercados pensam neste momento, visto que não há razões objetivas para apostar em desastre e isso independe de quem venha ser o próximo presidente. Se o candidato preferido pela comunidade internacional, Serra, for o vitorioso é provável que a economia reaja favoravelmente já de início, e o ano será melhor. Se for algum dos outros o ano será um pouco pior pois a reação vai demorar mais, mas virá de qualquer forma assim que o susto passar.
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