Segunda-feira, 10 de março de 2003.
O VERDADEIRO E O VIRTUAL
O ser humano tem uma dificuldade muito grande de conviver com a realidade, a verdade das coisas e porisso cria ilusões, realidades virtuais que, na maioria das vezes, existem apenas em seu imaginário. A razão disso só os filósofos, os santos, os espiritualistas ou os esotéricos podem especular, mas talvez seja porque incapazes de explicar as motivações mais básicas de nossa existência, tenhamos que idealizá-la para nos sentirmos menos desimportantes do que realmente sejamos.
Agora mesmo, estamos todos a procurar explicações fantásticas para a obsessão do presidente Bush por fazer uma guerra contra Sadam Hussein. Só pode ser pelo petróleo dizem uns; É para desviar a atenção da população local do colapso da economia e da quebra que é eminente, dizem outros. Sem contar sofisticadas teorias conspiratórias que abundam pela Internet e que incluem planos de dominação mundial como sempre acontece em situações como essa.
Recentemente um jornalista de importante periódico americano deu uma outra versão: - Talvez nos falte humildade para enxergar o óbvio. O motivo é o único que move todo presidente dos Estados Unidos em todos os tempos: A manutenção do cargo. Bush estaria enfrentando queda de popularidade por não ter conseguido capturar Osama Bin Laden e não ter conseguido exterminar a Al Qaeda, então precisava encontrar um bandido disponível para fazer o papel de bode expiatório e pagar o pato. Sadam Hussein era, de longe, o candidato ideal.
Se o petróleo do Iraque fosse tão importante assim o país já teria sido invadido há muito tempo e em questão de minutos. Se a economia americana estivesse no limite da quebra que importância uma invasão do Iraque teria para evitar isso? Se fosse a invasão da Europa talvez, mas do Iraque? Seriam então as eleições?
Custa-nos crer que a guerra possa ser travada por motivos tão banais, mas a rigor todas as guerras são assim, não há nenhuma novidade. Os seres humanos de cada geração tentam crer que são especiais e que surgiram num momento crucial da história e que vão mudar o mundo. Não aceitam que, a rigor, somos sempre os mesmos, com as mesmas fraquezas, limitações e incoerências de todas as gerações que nos precederam e sujeitos a cometer os mesmos erros de sempre. A evolução que nos governa é histórica e possui uma coerência que lhe é própria e natural. Chamam-na Ordem Natural das Coisas. Mas por parecer meio chinfrim não a aceitamos, queremos crer que somos mais do que isso.
Agora mesmo estamos vendo no Brasil um novo governo começar. A Ordem Natural das Coisas indica que as restrições e constrangimentos macroeconômicos impõem que tal governo seja muito parecido com o que se foi a pouco, que, aliás, foi como foi não porque quisesse ser, mas porque tal ordem natural se lhe impôs e, na verdade, se impõe sempre, exatamente por ser ordem e por ser natural.
O novo governo, sendo menos ingênuo que o anterior, sabe que assim é e assim será, mas também conhece bem os poderes do marketing e a enorme ânsia do povo pelo virtual, por tudo que fuja da dura realidade da ordem natural, e vai construir um sonho virtual em que todos possam embarcar de bom gosto e boa vontade.
Reformas serão feitas (nem muito profundas, nem muito concretas) e serão vendidas como redentoras. Programas sociais (inócuos na maioria) serão lançados com grande repercussão. Os anos vão se passar e muitos sentirão que o governo foi um sucesso, embora por trás a ordem natural estará onde sempre esteve e as mudanças serão quase nenhuma. Crises haverão, mas serão contornadas, nas horas limite o FMI comparecerá como sempre e ao final tudo permanecerá evoluindo na lenta velocidade própria da história onde as inflexões e os ritmos são medidos em séculos não em feixes de quatro anos que é o que dura um mandato.
Bush vai provavelmente fazer a guerra pelos mesmos motivos (capturar a magia do apoio das massas) e o efeito dela na ordem natural será muito próximo de zero. Talvez se reeleja na euforia da vitória militar que parece certa, fácil e rápida, mas qual será a diferença de quatro anos mais com ele ou com outro qualquer na presidência da maior nação do planeta?
Muitos de nós, nos preocupamos com as conseqüências da guerra para a economia brasileira. Qual nada, os problemas de nossa economia são aqueles de sempre criados por nós mesmos, tais como excesso de endividamento público, juros muito altos, etc. etc. etc. Nada que a não ocorrência da guerra possa resolver e nada que a guerra possa ser culpada de provocar.
Dizem que o novo presidente brasileiro, na intimidade, anda muito ansioso, decepcionado e até depressivo, com crises emocionais freqüentes. Deve se tranqüilizar. Nenhum de nós, incluindo ele próprio, é importante o suficiente para mudar a realidade. Assim não temos o mérito quando algo, de fato, muda para melhor e nem a culpa quando nada muda. Relaxe presidente! Deixe a ordem natural seguir seu curso e apenas atrapalhe o mínimo que puder. Já será uma grande coisa!
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