Segunda-feira, 10 de março de 2003.
DEPENDÊNCIA PERIGOSA
Se ainda havia alguma dúvida sobre a dependência extrema que a economia brasileira carrega em relação aos constrangimentos externos que lhe são impostos estas se desfizeram com a recente alta dos juros básicos para escorchantes 26,5% ao ano. O novo governo está empenhado em pagar qualquer preço para demonstrar seu compromisso com a ortodoxia e garantir a estabilidade dos fluxos financeiros dos quais o país tanto depende, e isso sepulta qualquer ilusão de retomada do desenvolvimento. Pelo menos para este ano.
As empresas de uma maneira geral já se preparam para outro ano difícil e suspendem investimentos, adiam projetos ou cancelam expansões. Os bancos, grandes beneficiários do processo, demonstram profunda aversão a qualquer risco e praticamente congelam o crédito criando um clima fúnebre no mundo dos negócios.
O crédito externo embora tenha timidamente retornado ao país ainda está muito longe dos níveis de 2001. O investimento direto a partir do exterior deve ficar em míseros U$15 bilhões, o mais baixo valor em oito anos.
Diante desse quadro qual o sentido do aumento da taxa de juros? Os economistas do governo entendem que com os juros altos o consumo se inibe e a inflação cede, permitindo que posteriormente os juros caiam. Mas uma simples análise dos números nos mostra que o consumo já está muito baixo e que a inflação ascendente é de custos e não de demanda. Os preços administrados são responsáveis, direta ou indiretamente, por mais de oitenta por cento da inflação atual o que significa que se estivessem estáveis a inflação total estaria em níveis baixíssimos. Assim o impacto dos juros na queda da inflação será quase nulo a menos que os preços administrados parem de subir, mas não é o que parece que vai acontecer.
As concessionárias dos serviços públicos que foram privatizados se endividaram em dólar e têm suas receitas em reais o que desequilibra suas contas quando o dólar dispara como disparou nos últimos meses. Seus contratos possuem clausulas de indexação de tarifas ao dólar, o que dispara a inflação, ou ressarcimento pelo tesouro, o que dispara a dívida pública. A alta de juros não resolve o primeiro problema e agrava muito o segundo. A relação dívida pública/PIB é o indicador econômico que mais influencia as expectativas dos mercados em relação ao Brasil neste momento no mundo todo. Todos acham que o país está preso em uma armadilha da qual não escapa sem trauma. Por isso o risco país não cai abaixo dos estratosféricos 1300 pontos.
O país paga o preço pela insensatez de manter o câmbio fixo como âncora da estabilização por um período muito prolongado entre 1995 e 1999. Por outro lado os idealizadores daquela infeliz política perguntam, com certa dose de razão, que outra âncora poderiam usar num país de economia fechada e memória hiperinflacionária tão arraigada.
Assim voltamos ao círculo vicioso de todas as crises: Não crescemos porque somos dependentes e somos dependentes porque não crescemos.
Para se libertar da dependência o país precisa aumentar suas receitas e reduzir suas despesas em moeda forte. Para isso é necessário câmbio favorável para estimular exportações e inibir importações o que, aliás, já foi feito. É necessário também diminuir as despesas, de juros que se paga ao exterior, o que só é possível amortizando progressivamente a dívida, e desenvolvendo a economia para a que a sinistra relação dívida/PIB se reduza. E aí toca-se no problema político: Reduzir despesas significa reduzir o tamanho do Estado num país que anseia por mais Estado, governado por um partido que ainda acredita no Estado como provedor do bem estar das pessoas. Reduzir despesas significa, cortar drasticamente o déficit da Previdência, reduzir o paternalismo das centenas de programas sociais sobrepostos que, com grande desperdício, competem entre si nos vários níveis do poder público e, significa, principalmente, combater o enorme grau de corrupção que grassa nos governos como tristemente se constata neste escabroso caso do escândalo dos fiscais do Rio de Janeiro. Enfim, significa construir um novo país.
A arrecadação tributária total dobrou de tamanho em sete anos atingindo 37% do PIB e mesmo assim as contas públicas pioraram muito, o que demonstra a ineficácia de se aumentar impostos. Há consenso sobre reduzir a carga tributária sobre os setores produtivos e sobre o emprego para criar condições de retomada econômica e melhorar a competitividade dos produtos nacionais nos mercados globais, mas não há consenso sobre como fazê-lo. Há consenso sobre a urgência de desarmar a bomba previdenciária, mas não sobre como fazê-lo. Há consenso sobre a necessidade das reformas política e judiciária, mas não sobre como fazê-las. Enfim já superamos a fase do “consensuamento” mas não a do “fazimento”.
Os sinais que o governo tem passado à sociedade são de que se empenhará em perseguir reformas efetivas e vai buscar o apoio majoritário dos formadores de opinião para pressionar a classe política a fazer o mesmo. Tomara que consiga, mas o tempo está se encurtando e a urgência começa a preocupar. A dependência em que o país está enredado é perigosa e paliativos econômicos de curto prazo, além de não resolver o problema principal, irritam a sociedade produtiva que vê mais um ano se esvair sem perspectiva de crescimento econômico no horizonte.
As reformas são necessárias e, agora, urgentes!
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