Quinta-feira, 3 de abril de 2003.
Como fazer uma guerra a 18.000 quilômetros de distância tendo como objetivo ocupar uma capital de país com mais de cinco milhões de habitantes usando apenas 260.000 soldados dos quais a opinião pública de seu país só aceita que morram menos de 100 ?
Melhor desistir da guerra. É a única resposta sensata possível.
Mas e se você possui total superioridade aérea e pode lançar cerca de 1200 bombas por dia sobre a tal capital ? Mais ainda, você tem 75 bilhões de dólares aprovados para torrar na tal guerra. E aí? Dá para encarar?
Bem, mas por outro lado você tem quase toda a opinião pública mundial contra você e parceiros tradicionais muito irritados.
Seus assessores militares, loucos para guerrear, dizem que a guerra será curta, no máximo algumas semanas, e que o prêmio é a deposição de um tirano sanguinário capaz de matar genros a sangue frio e que infelicita seu povo há décadas.
Seus assessores econômicos, loucos para dar uma melhorada geral nas taxas de crescimento, dizem que os programas de reconstrução após a guerra darão lucros polpudos, acima dos 100 bilhões de dólares e que, assim, os 75 bilhões investidos serão altamente recompensados.
Melhorou ? Agora dá para encarar ?
Bem, a luta será no deserto, onde tempestades de areia costumam engripar engrenagens de tanques, caminhões e helicópteros, e temos ainda os fanáticos das milícias leais ao ditador, que, como camicazes, atacam furiosamente sem pensar se vão morrer ou não. A batalha começa pelo sul e não haverá refresco no norte, pois um país amigo se recusou a ceder seu território para acessar aquela área, onde por sinal habita um povo feroz que se considera independente do país atacado e do país amigo e luta por liberdade há décadas.
Temerário ?
Seus estrategistas dizem que o ataque aéreo será mortífero e fará o inimigo tremer, pois novas bombas guiadas por GPS atingirão alvos milimétricos sem risco nenhum. Claro que no passado também disseram isso na guerra do Kosovo e vários inocentes foram atingidos pelas tais bombas que erravam os alvos por dezenas de metros, inclusive acertando, por engano, a embaixada de um grande país que ficou muito enfezado com o episódio.
E aí ? Vamos em frente, quer dizer, vamos ao front ?
Como se sabe o presidente Bush foi para a guerra. Como qualquer dirigente de empresa enfrentou a solidão de decidir num momento crucial qual o melhor caminho a seguir. Uma vez tomada a decisão, cabe implementá-la e atingir os objetivos propostos. Será que ele está satisfeito com o desempenho da máquina de guerra e com a estratégia seguida ?
O presidente, seguiu metodicamente os passos do Planejamento Estratégico para tomar sua decisão: Mandou fazer um plano, desenhou diferentes cenários possíveis, calculou a probabilidade de ocorrência de cada um deles e baseou sua decisão pelo critério da minimização de custos e maximização de benefícios.
O cenário considerado mais viável pelo presidente considerava uma guerra curta (máximo de sete semanas), a adesão dos habitantes das cidades ao sul quando cercadas, e uma destruição severa de alvos em Bagdá, que fosse suficiente para causar cizânia no núcleo do poder iraquiano. Considerava também a adesão dos curdos ao norte, o tal povo feroz.
Muito desse cenário, como se sabe, não aconteceu. Os povos das cidades sulistas não aderiram, os estragos em Bagdá, apesar de severos, não minaram a união do regime e os curdos ao norte estão mais interessados em se defenderem dos turcos, que aliás, além de não cederem seu território para passagem de tropas da coalizão, invadiram o norte para prevenir alguma tentativa curda de penetrar em território curdo na Turquia. Falhas de planejamento estratégico ? Sim, com certeza, mas principalmente uma falha de previsão diplomática área onde, por sinal, tio Sam não é muito habilidoso.
Os embaraços criados por imprevisão de diplomacia pode estar contribuindo para desviar a atenção de todos de um dos mais notáveis feitos na área de planejamento e logística em todos os tempos. A ação dos EUA e dos britânicos nesta guerra do Iraque pode servir de livro texto sobre o assunto.
As tomadas dos portos de Al afwa e Um Qsar foram perfeitas tanto no planejamento como na execução. Os marines abordaram as áreas chaves dos dois portos, neutralizaram a resistência com desembarque anfíbio pelo sul, ajudados pela ação da artilharia que vinha do Kwait pelo norte e pelo oeste. A ação urbana e a ocupação ficaram a cargo dos britânicos escolados pela experiência acumulada nas ruas de Belfast na luta contra o IRA. Praticamente sem baixas e com baixíssimo custo em vidas humanas adversárias os dois objetivos foram conquistados e ocupados em menos de 40 horas.
O deslocamento terrestre rumo norte em direção a Bagdá é a mais rápida e eficaz empreitada logística do gênero. Foram mais de 600 quilômetros em apenas quatro dias. Com cobertura aérea perfeita, tendo que passar por três cidades sem adentrá-las e sem se envolver com lutas urbanas, artilharia marchou incólume até os arredores da capital iraquiana onde, agora, se encontra acantonada. São mais de 200.000 homens apoiados e supridos pela retaguarda, o que exige controle das estradas, pontes e pontos de reabastecimento ao longo de todo o longo percurso, no qual cidades como Basra, Nazhirya e Jafra estão totalmente cercadas e neutralizadas.
A logística necessária para executar e manter tal façanha de guerra é de uma complexidade extraordinária. Bush pode não ser um grande presidente e a diplomacia yankee pode deixar a desejar, mas a capacidade de planejamento e logística de tio Sam, inegavelmente, não possui paralelo no mundo de hoje.
Exatamente por respeitarem esse poderio é que muitos analistas previram uma guerra de no máximo oito dias e ficam agora enfatizando certo desapontamento com o que consideram uma falha de planejamento. Esquecem da diferença entre pensar e fazer. A capacidade dos EUA de levarem a cabo uma ação de tal envergadura do outro lado do globo, jamais pode levar alguém a minimizar a complexidade da empreitada. Nem mesmo o mais inveterado otimista entre os planejadores da guerra pensou em um prazo tão curto como irreal para a operação. Querer fazer parecer fracasso um sucesso tão retumbante é perda de tempo. Melhor usar tal sucesso para projetar o futuro próximo.
O Iraque concentrou sua defesa na capital e a batalha que interessa é a batalha por Bagdá. A falta da frente norte não impede que a capital seja tomada o que se discute é o custo da operação em vidas tanto do lado da coalizão como em vidas civis inocentes. A estratégia dos EUA é a de capturar ou destruir Saddam com o menor número de baixas possível e isso somente será possível com um cerco efetivo que interrompa o abastecimento da cidade, o que certamente será feito. Os bombardeios aéreos cumprirão finalidade primordial para desmantelar a estrutura de poder usada pelo governo de Saddam na capital e é possível que alguns enclaves sejam criados na área urbana para forçar uma pressão de dentro para fora e facilitar rendições e levantes de algumas unidades iraquianas. Não há necessidade de frente norte para tal fim e o desembarque de alguns milhares de pára-quedistas na área curda tem mais a ver com o pós-guerra do que com a guerra, pois é possível que a coisa ferva na fronteira com a Turquia após a queda de Saddam, mas aí já será outra história.
O cerco de Bagdá será uma operação militar única na história. Saddam sonha transformar a cidade em uma nova Stalingrado, onde os russos começaram a ganhar a segunda guerra sobre os alemães. Mas trata-se de um sonho impossível, pois ele não possui tanta gente assim para servir de bucha de canhão e as forças da coalizão estão infinitamente melhor preparadas, equipadas e treinadas do que estavam os alemães naquela oportunidade. O cerco poderá levar semanas e foi planejado há muito tempo. Se a execução mostrar o mesmo preparo do que se viu até agora, o que Saddam melhor faria seria render-se incondicionalmente.
Se você dirige um negócio, faz planejamento estratégico e prioriza a logística como fator de vantagem competitiva, está aí um bechmarking imperdível. Pode encarar !
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