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Terça-feira, 29 de janeiro de 2002.
A maior preocupação das autoridades econômicas brasileiras durante as últimas semanas foi repetir até à exaustão que o Brasil é diferente da Argentina e que desta vez não haverá nenhum contágio econômico derivado do caos em que mergulhou o vizinho do Prata. Repetiram tanto que não só se auto-convenceram disso como convenceram também as autoridades internacionais, FMI, Banco Mundial, Clube de Paris, Departamento do Tesouro etc. etc. Então está tudo ótimo ? Melhor não acreditar nisso.
Claro que o Brasil é muito diferente da Argentina, a começar pelo tamanho de sua economia quatro vezes maior. Continuando pela sofisticação de seu sistema financeiro, reconhecidamente moderno e eficiente e coerente em seus fundamentos, o oposto do argentino que se mostrou surpreendentemente primário nesta crise. O Brasil também já se livrou de alguns problemas estruturais que os vizinhos ainda terão que enfrentar tais como a reforma bancária, o sistema de pagamentos, e o câmbio fixo. Outra vantagem é que o parque industrial brasileiro muito mais diversificado e eficiente que o argentino garante um maior grau de autonomia econômica para o país. Essas são as diferenças, mas existem algumas semelhanças muito preocupantes.
O Brasil a exemplo dos demais países latino-americanos não resolveu o crônico e histórico problema de seu déficit público. Há um buraco de 23 bilhões de dólares por ano que o país acaba tendo que buscar no exterior via aumento de seu endividamento. A dívida interna explodiu no atual governo e atinge a impressionante soma de 630 bilhões de reais. Como percentual do PIB, não chega a ser nada assustador, já que fica ao redor de civilizados 50%, mas o problema é que com a atual taxa de juros de 19% ela não para de crescer e muitos agentes do mercado (sempre eles) já começam a achar que em algum momento (não antes de meados do ano que vem) não poderá ser rolada. Parte dela, é indexada ao cambio o que aumenta ainda mais a preocupação.
Como se vê voltamos ao velho problema da América Latina. As demandas sociais que geram despesas públicas são maiores do que a capacidade de arrecadação dos governos. Quem financiou a diferença ao longo das décadas passadas foi a hiperinflação e o crédito externo. A grande novidade do caos argentino é que esse último item, o crédito externo, parece ter secado na era Bush. Tio Sam, FMI e Banco Mundial resolveram dizer não ao modelo tradicional e as exigências para novos aportes de dinheiro externo passam a ser inviáveis para o modelo clássico desta região. A quebra da Argentina veio exatamente quando o FMI condicionou novas liberações ao déficit zero. Se exigiu da Argentina porque não exigiria do Brasil ? Sobra a hiperinflação. Voltará a América Latina à velha rotina de sempre ?
No Brasil alguns candidatos ao governo já explicitaram sua preocupação com o tema e suas prováveis soluções. Para Ciro, haverá uma reestruturação da dívida interna. Vale dizer que em nenhum país do mundo se fez qualquer operação desse tipo sem perdedores e sem quebra de contratos. Para Lula a reestruturação será da dívida externa que passaria por uma auditoria. Vale dizer que já fizemos isso com Funaro só que chamamos de moratória mesmo. Para Serra o câmbio vai deslizar mais um pouco até chegar ao nível ótimo (cerca de R$3,50) capaz de gerar superávites comerciais que compensem o déficit, o que geraria um megafechamento de economia e favoreceria os produtores locais, mas, provavelmente, reequilibraria o sistema. Vale dizer que já fizemos isso durante quase todo o regime militar com Delfim Neto até a crise externa do petróleo. (???!!!!???? Serra copiando Delfim ?)
Mas então há contágio ? Bem contágio da crise Argentina propriamente dita, não. O único contágio é aquele de sempre, o de um continente dependente que nunca ergueu a cabeça para, além das ideologias, criar um projeto eficaz que traga a única liberdade verdadeira, aquela liberdade serena dos que gastam menos do que ganham e por isso mesmo podem ser donos do próprio destino.
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