Segunda-feira, 3 de setembro de 2001.
A grande discussão que deverá dominar a estratégia das empresas brasileiras no próximos meses e nos próximo anos e se o país deve ou não juntar-se à ALCA o mercado comum das Américas.
A abordagem do problema tem ficado na superfície e, na maioria das vezes, não se consegue enxergar com nitidez os verdadeiros interesses envolvidos.
Algumas verdades têm sido assumidas pela mídia como definitivas embora não o sejam de forma nenhuma. Por exemplo:
Os USA querem transformar a América Latina em seu quintal invadindo com sua maior eficiência os mercados dos latino-americanos. Na verdade existem vários produtos onde os Estados Unidos são menos eficientes como aço, aviões pequenos e médios, calçados, álcool, suco de laranja, soja, açúcar, carne, etc. A lista é enorme.
Bush é mais poderoso e vai impor seus pontos de vista: Bush é o menos poderoso dos presidentes envolvidos pois não possui mandato do Congresso (fast-track) para assinar acordos que contrariem as leis americanas. E as leis americanas de comércio são muito abrangentes o que deixa Bush refém dos congressistas para avançar nas negociações. Comparativamente, De La Rua e FHC sentam à mesa com muito mais poder para negociar.
Os USA querem isolar o Brasil: Sim, pois já atraíram o México, iniciaram negociações bilaterais com o Chile e, estão convidando a Argentina para fazer o mesmo. Pode ser parcialmente verdadeiro, mas a terceira e a quarta maior economia das Américas (Canadá e México) já estão no Nafta. Teria sentido a Alca sem a segunda economia, o Brasil ? Mais próximo da verdade seria dizer que a Alca nada mais é do que a forma e o nome que se dá ao processo de integrar o Brasil. Por isso mesmo é vital para o país.
Então, se o Brasil é mais eficiente em vários mercados, se FHC tem força para negociar e se os USA na verdade querem e precisam integrar o Brasil, porque a imagem ruim da Alca entre nós?
A diplomacia brasileira (de primeiro mundo e temida pelos americanos) marcou retumbantes vitória em todas as discussões preliminares até agora. Os pontos de vista do Brasil venceram em todos os fóruns, quanto às datas para discutir, como discutir, quem pode discutir e o que será discutido. Enfim, a Alca, até agora, é o que o Brasil quis que ela fosse. E será, certamente, no futuro, aquilo que o Brasil quiser que ela seja. Ou não seja ! O motivo para essa aparente arrogância é que não interessa de forma nenhuma à estratégia americana empurrar o Brasil para uma Alca que lhe seja (ao Brasil) negativa pois teria muito mais a perder do que a ganhar com isso. Então aceitam os termos brasileiros de bom grado (às vezes nem tanto) desde que a negociação avance.
Assim, cabe ao Brasil refletir sobre como avançará e sobre como deseja desenhar a Alca, pois essa postura é que a definirá.
Ao colocar o tema da abertura do Agribusiness como pré-requisito como fez FHC na cúpula de Montreal o Brasil não está sendo razoável e, obviamente não está avançando. A posição americana de que o tema deve ser tratado na OMC é mais correta, pois naquele foro as posições dos USA e dos latinoamericanos é coincidente e os vilões são os europeus cujas barreiras nessa área são medievais e muito maiores que as americanas. Insistir nesse ponto pode render dividendos políticos pois coloca os Estados Unidos diante de uma contradição de solução difícil mas não rende nenhum avanço objetivo que atenda aos interesses do Brasil. E aqui caímos num velho vício brasileiro na relação com os Estados Unidos: O importante não é avançar, mas encostar os caras na parede, mesmo que isso não represente ganho para nenhum dos lados. Não há proatividade!
Como o Brasil sempre padeceu de um terrível complexo de inferioridade perante os irmãos do norte, sua competente diplomacia derrapa quando temos que avançar. Somos eficientes na defesa (Derrotamos as posições americanas não só na Alca, mas também nos foruns ecológicos, saúde, etc. etc.) mas não estamos sabendo atacar, ao contrário de nossa natureza futebolística. A Alca poderá ser uma alavanca de enorme importância para acelerar o desenvolvimento econômico brasileiro e eliminar ou pelo menos diminuir nossa dependência de poupança externa, mas para isso, precisamos sair da defesa e irmos direto ao ponto que é organizarmos o acesso ao imenso mercado norte-americano para os nossos produtos.
Claro que para eliminarmos as barreiras que eles, injustamente, colocam contra produtos em que somos mais competitivos, teremos de fazer concessões. E é essa a discussão interna que o Brasil não está sabendo conduzir. Temos um outro notável obstáculo cultural que é o de não sabermos infligir perdas. Por sua natureza assistencialista e cultura latina ibérica o Estado brasileiro sempre soube dividir benesses mas não consegue infligir perdas definidas. As perdas quando inevitáveis são disfarçadas (via inflação) ou matizadas (desvalorização cambial) isentando o governante de recriminações localizadas. No contexto da Alca, os setores perdedores serão claramente evidentes desde o princípio e isso dificulta o processo.
Apesar de todas essas contradições sabemos que a Alca é inevitável e que os compromissos datados assumidos pelo Brasil são compromissos de Estado e serão cumpridos. Melhor, portanto, aprofundarmos a discussão e reordenarmos o pacto social interno para conquistarmos o melhor e não nos contentarmos com as sobras, por assumirmos atitude caudatária no processo.
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