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Quinta-feira, 20 de setembro de 2001.
A agonia econômica da Argentina já está trazendo contornos dramáticos ao noticiário internacional e, bem ao estilo portenho, o drama invade também a vida social, política e intelectual do país.
Os dois livros de maior sucesso no mercado editorial platense neste momento falam exatamente da debacle civilizatória do país vizinho. São lembrados os tempos áureos do início do século XX quando a Argentina tinha mais automóveis que a França e mais telefones que o Japão. Procuram-se também, bem ao gosto portenho, os culpados, desde Perón, passando por Menem e Cavallo e até, (porque não ?) os próprios argentinos e sua suposta arrogância.
Fora da Argentina, ninguém mais acredita que o país possa escapar da moratória. Os próprios argentinos procuram dela se defender e remetem dólares para fora do país. Isso mesmo, os argentinos estão retirando dólares (os pesos já os converteram há muito tempo) de suas contas correntes e remetendo-os para contas seguras no exterior, porque temem que Cavallo & Cia sejam obrigados a confiscá-los para salvar o país de uma corrida bancária. Os exportadores argentinos também estão antecipando seus recebimentos, por conta de embarques futuros e estão mantendo esses recursos depositados fora da Argentina o que ajuda a inviabilizar qualquer possibilidade de melhoria das contas externas do país.
Nesse clima, a única dúvida dos mercados é se além da moratória inevitável os argentinos vão também abandonar a convertibilidad ou câmbio fixo. A maioria dos agentes estrangeiros acha que isso também será inevitável, mas já acham isso há muitos meses e os argentinos continuam resistindo. Essa resistência que ultrapassa a obstinação e beira a obsessão é um traço característico da alma argentina. Eles não querem desvalorizar o peso, embora isso fosse o mais sensato, porque no íntimo isso seria o reconhecimento de uma derrota, uma aposta mal feita e, pior, uma derrota frente ao Brasil que fez diferente e se deu bem. Os mercados arriscam fortunas apostando que os Argentinos não vão resistir até à morte de sua economia nessa aposta do câmbio fixo.
Se vão ou não resistir até a morte é uma dúvida, mas seria interessante ao estrangeiro dar uma passada no belo cemitério da Recoletta em Buenos Aires e constatar que mesmo depois de mortos muitos argentinos não se deixam enterrar e resistem, assim, mesmo depois dela.
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